sábado, 26 de novembro de 2011
A INVERSÃO DO RADICALISMO
Texto: Tarsila
Uma nota: esse texto não se presta a nenhuma generalização; em verdade, ele se presta a desfazer as generalizações que são feitas frequentemente por não-crentes. Além disso, ele reflete a minha opinião, não a opinião da Sociedade Racionalista como um todo.]
Nós, ateus, agnósticos, racionalistas e humanistas, conhecemos muito bem o radicalismo religioso – seja na forma de preconceito, agressão, pregação exagerada ou discriminação. Sabemos e convivemos de perto com as mazelas causadas pelo radicalismo em inúmeras religiões – em nosso país, exacerbam-se os radicalismos católico e evangélico, que afetam, inclusive, a esfera política.
É de fácil compreensão a existência de tantas brigas entre crentes e não-crentes. A crença numa religião configura uma visão diferenciada em vários âmbitos: espiritual, ético, político e econômico. As diferenças entre religiosos e ateus não são apenas diferenças filosóficas. A religião (e a ausência dela) afetou e ainda afeta a sociedade de diversas formas. É visível a influência de várias igrejas na aprovação de leis e na eleição de representantes políticos. A mídia, importante mecanismo de controle e disseminação de ideias, também aparece frequentemente ligada a alguma instituição religiosa.
Em fato, precisa-se lutar por um Estado Laico. Um texto meu, publicado aqui na SR, define o laicismo – e, que fique claro: o laicismo não é o ateísmo. O Estado laico não vai defender os ateus ou os agnósticos – ele vai operar independentemente de crença ou não-crença.
O que se vê atualmente é a inversão do radicalismo: alguns – que fique claro: alguns – ateus têm defendido ferrenhamente o ateísmo. Alegam, inclusive, serem superiores a crentes. Não são poucas as correntes no facebook que atestam essa ideia. “Orgulho Ateu”, “Ainda bem que sou Ateu!”, “Bom seria se todos fossem ateus” apareceram às dezenas no feed de notícias.
Ora, por que devemos ter orgulho de sermos ateus? Somos superiores intelectualmente? Nossas ideias – e somente as nossas – são verdadeiras? Se você concordou com as três últimas perguntas, reflita: não é exatamente isso que pensam os fundamentalistas religiosos?
Se somos ateus, é evidente que defenderemos a teoria da evolução à gênese bíblica. É perfeitamente compreensível que refutemos a existência de um ser superior, defendamos o Estado Laico e reprovemos o preconceito contra não-crentes. Entretanto, ao nos colocarmos em um pedestal, estamos nós praticando uma forma de radicalismo, semelhante àquela encontrada em muitas religiões.
A outra faceta do radicalismo ateu é mais danosa: a generalização de todos os crentes como “ignorantes” ou “atrasados”, o que leva rapidamente ao fundamentalismo.Um texto recentemente publicado no Bule Voador mostra como certos neo-ateus assumem que teístas não conseguem defender suas crenças de maneira racional e, por causa dessa arrogância, acabam tendo dificuldade em debater com os mesmos.
Embora não concorde com nenhuma religião, vejo claramente que ela tem uma função social importante. Para algumas pessoas, a religião é um suporte moral e espiritual – tais pessoas não viveriam sem suas religiões; necessitam desse suporte . Essas pessoas são inferiores intelectualmente? São imorais, de maneira automática? John D. Barrow, cosmologista inglês, físico teórico, matemático, pesquisador de Ciências Matemáticas da Universidade de Cambridge, é deísta. Ele é membro da Igreja Reformada Unida e criador do conceito de Princípio Cosmológico Antrópico, mostrando como o design inteligente estaria conectado com a idéia de uma “mente criadora” fundamental que teria “orientado” a evolução cosmológica do universo para ser adaptada, evoluída para o surgimento de outras entidades inteligentes. Por acreditar nisso, por causa de uma crença filosófica, faz dele realmente burro? Faz dele imoral?
E quanto àqueles que, embora não sejam cientistas teístas com títulos de doutorado, defendam a igualdade de gênero, o Estado laico e sejam contra a homofobia e o racismo, acreditando em um ser superior? Caem na mesma generalização? A sua mãe ou família religiosa, que são pessoas minimamente agradáveis, caem na generalização?
Uma afirmação do renomado Dawkins (de quem, fique claro, sou fã – entretanto, considero essa frase extremamente infeliz) retrata como alguns ateus têm feito generalizações absurdas:
“Quem duvida da Teoria da Evolução é ignorante, imbecil ou insano”.
Que não sejamos nós, não-crentes, que vimos de perto os danos do fundamentalismo, a praticar uma nova forma de radicalismo e discriminação. É possível conviver, sadiamente, com crentes e não-crentes, evitando generalizações mal-fundadas. Acima de tudo, é preciso coexistir. Afinal, como já diriam muitos antes de nós, religião não define caráter:
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htto://sociedaderacionalista.org
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